Web Summit Lisboa 2023: O que você precisa saber para não ficar de fora das conversas

Foto: Eóin Noonan / Web Summit via Sportsfile

É impossível resumir um evento como o Web Summit Lisboa 2023. Cada jornada é individual, assim como as expectativas, objetivos e a experiência de cada participante.

Uma boa curadoria, porém, consegue isolar o som do ruído e destacar as conversas mais importantes. Para isso, analisamos o histórico da conferência, os temas predominantes da programação, repetições em falas de diferentes speakers, a repercussão na imprensa e em grupos de WhatsApp, entre outras fontes.

Mesmo que você não tenha ido ao Web Summit Lisboa 2023, isso é o que precisa saber para não ficar de fora das conversas:

Sob nova direção LIDERANÇA

Katherine Maher assumiu a direção do Web Summit Lisboa duas semanas antes da conferência começar. Quem conhece os bastidores de um evento, ainda mais desta dimensão, sabe que a essa altura tudo que deveria ter sido decidido já foi. O evento encontra-se em plena montagem. 

Cabia a ela a dura tarefa de reduzir danos e gerenciar a crise causada por Paddy Cosgrove, fundador e ex-CEO do Web Summit.  

A executiva subiu ao palco na abertura do evento e abordou a polêmica envolvendo Paddy logo no início de sua fala, reforçando a importância da liberdade de expressão e lembrando a audiência de que a conversa mais importante não deveria ser sobre o Web Summit, mas sim o que acontece nos dias de conferência. 

Com elegância, carisma e confiança, Katherine Maher passou pela prova de fogo sendo aprovada em unanimidade tanto pelos participantes do Web Summit como pela imprensa. Como bem escreveu Lucas Daibert no artigo da Época Negócios, sutilmente ela ainda nos deixou uma lição importante: a de que ninguém é insubstituível.   

Inteligência Artificial: a eletricidade do século 21

“A Inteligência Artificial será a eletricidade do século 21, tendo exatamente o mesmo papel que ela teve ao transformar radicalmente a estrutura de diferentes setores da economia e da sociedade”, afirmou o ministro da economia de Portugal António Costa Silva na abertura do Web Summit Lisboa 2023.

Se há um ano a IA Generativa foi apresentada ao mundo, no final de 2023 reina o consenso de que ela, cada vez mais, estará no meio de nós e quem não souber como usá-la ficará para trás. 

Praticamente todos os principais negócios do mundo, governos, grupos de investimento e centros de pesquisa já a adotaram. O que falta consenso agora é como regulamentá-la, pauta presente em diversas palestras e conversas dessa edição do Web Summit Lisboa 2023.

Para se aprofundar no tema, vale assistir a gravação das palestras que aconteceram no Centre Stage do Web Summit. Por enquanto, os três primeiros dias de transmissão estão disponíveis gratuitamente no canal do Youtube do evento

A maior ameaça não é a IA

Durante os dias de Web Summit, o Brasil sofreu recordes de temperatura. O Pantanal ainda está em chamas, pela 1ª vez na história registrou-se a sensação térmica de quase 60 graus Celsius no Rio de Janeiro e a Amazônia encara a maior seca de todos os tempos.

Comparando essa edição do Web Summit Lisboa com outras, o tema da emergência climática transbordou do palco Planet:Tech para ocupar ainda mais espaço na plenária principal, com destaque para as palestras “Accelerating climate solutions with AI” (Melanie Nakagawa, Microsoft), “How Can technology transform climate crisis?” (Sita Chantramonsklasri, Siam Capital; Rebecca Parsons, Thoughtworks; Andrew Fishman, The Intercept) e “How do we decarbonise one of the world’s dirtiest industries?” (Henrik Henriksson, H2 Green Steel; Juliana Causin, O Globo).

Na mesma semana do Web Summit Lisboa 2023, foi divulgado o relatório anual do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, onde foi anunciado que as atuais ações para redução nas emissões de carbono continuam sendo insuficientes para limitar o aumento da temperatura global a 1,5oC até 2030. Jens Nielsen, fundador e CEO da World Climate Foundation iniciou sua fala com essa preocupação:

“E se continuarmos a aumentar as emissões como estamos fazendo agora, acabaremos em algum lugar em torno de 2,8 graus no final deste século. E já podemos ver, mesmo com cerca de 1,2 graus como estamos agora, muitos eventos climáticos acontecendo e que são devidos às emissões causadas pelo homem”

O investidor Albert Wenger, da Union Squares Venture, reforçou o alerta:

“O que me deixa mais acordado à noite, mais do que a IA, é a crise climática. Qualquer um que esteja acompanhando os números em 2023 pode ver que eles estão literalmente fora dos gráficos. Se você olhar para os gráficos de temperatura oceânica, temperatura do ar, e olhar para os números de 1970 até esse ano, vai reparar que a curva está significativamente alta. E se você pegar a média disso é um desvio padrão, na verdade estamos entre três a cinco vezes acima do que deveríamos estar. A crise climática está experimentando uma aceleração extrema”,.

Alguns investidores, como o próprio Albert, apontam a IA como uma tecnologia que pode ajudar a reduzir a crise. Outros, como Rebecca Parsons, CTO da Thoughtworks, acreditam que também é preciso mudar a narrativa:

“É uma questão de marketing. Talvez seja uma afirmação muito ampla, mas se pensarmos como indústria, precisamos ser capazes de mudar a narrativa para que ela seja vista como uma oportunidade econômica, e não como um desafio ambiental. Precisamos ser capazes de promover a mensagem de que isso é melhor para o planeta, para as pessoas, para nós e nossas famílias.”

A urgência também foi um tópico da conversa com a ativista climática e fundadora da Sustainable & Just Future. Questionada pela jornalista se seriam as próximas gerações a resolver a crise climática, ela explicou que a responsabilidade é de todos:

“Minha geração não terá poder institucional antes que seja tarde demais para o clima. Estou cansada de pessoas mais velhas me dizendo: “Você me dá esperança. Sua geração vai nos salvar.” Eu digo: “Não, eu não vou. É com você, é responsabilidade sua.” Eu posso ter ideias, mas depende desses caras me ouvirem, e colaborarem conosco, porque eu não tenho o poder que a Apple tem.”  

Trolagem do ano

“Democratising wealth through a new kind of crypto: Adicoin launch party” foi o nome da palestra programada para às 10:25 do dia 15/11. Seus palestrantes seriam ninguém menos que o top DJ de EDM Marshmello e o CFO da Adidas.

A palestra aconteceu normalmente, com direito a um vergonhoso flash mob com dançarinos no palco e um dos mais famosos DJs mascarados do mundo lançando a sua mais nova música “All Day I Dream”.

Somente no último dia de Web Summit, tanto a organização do evento quanto seus participantes descobriram que toda a apresentação tratou-se de uma farsa. O próprio DJ Marshmello veio ao Twitter/X para publicar que ele nunca esteve no Web Summit.

Rapidamente, a gravação da palestra e as informações da session foram excluídas do aplicativo e do site do festival. Mas o dano já havia sido feito e a mensagem transmitida. Não passou de mais uma trolada diabólica da dupla de ativistas The Yes Men.  

Além de atacar a reputação da curadoria do Web Summit, essa foi mais uma prova de que não precisamos de IA para nos depararmos com a desinformação e casos de deep fake na vida real. 

Sabe quem perguntou de você? Ninguém

Google, Meta, Amazon, Intel, Siemens e TikTok. Essas foram algumas das empresas que boicotaram o Web Summit Lisboa 2023, retirando-se do evento após seu fundador, Paddy Cosgrove, criticar no Twitter/X a ofensiva de Israel na Palestina. 

Porém, a ausência delas foi notada por… ninguém. 

O Web Summit esteve lotado em todos os dias, com números que impressionam: 

  • 70.236 participantes (de 153 países)
  • 2.608 startups
  • 906 investidores
  • 806 palestrantes
  • 321 partners (patrocinadores, apoiadores)
  • 32 delegações de países

Em conversas com pessoas que estiveram pela 1ª vez no Web Summit Lisboa, era claro o encantamento com a grandiosidade do evento. Para todos os efeitos, o evento foi um sucesso, mesmo sem a presença das big techs. 

Participamos anualmente do Web Summit desde 2018 e percebemos algumas sutis mudanças:

  • A programação da noite de abertura, com exceção de Jimmi Wales, fundador do Wikipedia (ex-chefe da atual CEO do Web Summit), convidou palestrantes menos expressivos que em anos anteriores.
  • Os pavilhões 1, 2 e 3 estavam preenchidos com grandes estandes de marcas ou países, mas os dois últimos – 4 e 5 – estavam relativamente vazios. Apesar da organização inteligentemente ocupar os três primeiros, ali se percebia o impacto do boicote das big techs. 
  • Muitos speakers de renome também se retiraram da programação do festival, mas o evento cobriu as lacunas de forma a (quase) ninguém perceber as substituições.

Segundo a organização do Web Summit, algumas das empresas que cancelaram a participação no evento deste ano prometeram voltar no ano que vem

Do lado de cá, fica a pergunta: será que as big techs não fariam melhor à sociedade revendo seus modelos de negócios e a forma como lucram com conflitos mundiais, ao invés de boicotarem um evento que discute justamente pautas importantes porém sensíveis aos seus stakeholders?

A copa do pitch é nossa

A startup de legaltech Inspira foi a grande vencedora do PITCH do Web Summit Lisboa 2023. 

Foi a primeira vez que uma startup brasileira ganhou o prêmio. Direto do palco principal do evento, sua equipe agradeceu ao júri, comemoraram e saíram ovacionados.

Inspira, legaltech brasileira, vence o PITCH do Web Summit Lisboa 2023.
Foto: Tyler Miller/Web Summit via Sportsfile

Além da startup, vale destacar a presença jornalística do Brasil nas entrevistas e moderações de algumas das principais palestras do Web Summit Lisboa 2023: Juliana Causin (O Globo), Daniela Braun (Valor Econômico), Christiane Pelajo (Chris Pelajo Produções), Sonia Bridi (TV Globo) e Andrew Fishman (The Intercept) brilharam nos palcos. 

A mestre de cerimônias Laura Vicente (TV Globo) segurou bem a responsabilidade de apresentar algumas das palestras do Centre Stage, além de quebrar o protocolo, com muito bom humor, ao gritar “É Brasil!” quando subiu ao palco depois do anúncio da startup brasileira como a vencedora do ano. 

Um evento maior que uma pessoa

No final das contas, foi um dos melhores Web Summits já produzidos em Lisboa. 

Até o tempo, que costuma chover e ficar mais frio nessa época do ano, ajudou. 

Sob a liderança de Katherine Maher, o futuro do Web Summit promete ser ainda melhor. Mais diverso (43% dos participantes eram mulheres e mais de 38% eram palestrantes), mais sensível às questões ambientais e mais humano (apesar da IA). 

Sua missão de “ser um espaço de conexão entre pessoas e ideias que mudam o mundo” foi entregue e, em 2024, o evento ainda estreia uma nova edição em fevereiro em Doha. 

Aguardemos a próxima edição no Rio de Janeiro em 2024.