Boicotes e patrocínios: a nova polêmica dos eventos

Polêmica de patrocínios em eventos | US Army no SXSW 2024
Crédito: Reprodução / KUT News

Você costuma pesquisar quem patrocina ou organiza os eventos que frequenta? Mais que isso, você procura entender o impacto político, social e ambiental dessas produções?

O mercado de eventos e experiências enfrenta um dilema atual, complexo e digno de conversa.

Vamos só voltar um pouquinho no tempo para explicá-lo.

Estávamos no SXSW em março deste ano, no Texas, quando vimos um assunto dominando os corredores e as reportagens sobre o evento: o boicote de mais de 80 artistas e palestrantes durante o festival.

O motivo? Um dos patrocinadores desta edição era o Exército Americano, junto com a presença da RTX Corporation, uma empresa de defesa aérea. O boicote foi uma resposta direta ao apoio financeiro de instituições conectadas com a guerra entre Israel e Palestina.

Ativistas protestam e promovem boicote ao SXSW 2024
Ativistas protestam com faixa “SXSW pare de apoiar o genocídio” em protesto no primeiro dia de evento em 2024. Crédito: Reprodução / The Austin Chronicle

Esse tipo de boicote não é exclusivo do SXSW. 

Vimos casos recentes em festivais de música na Alemanha e no Reino Unido, além de feiras literárias como a Hay. Um dos casos mais famosos aconteceu no Web Summit Lisboa, quando patrocinadores e investidores optaram por retirar-se do evento no final de 2023. 

Na corda bamba: entre valores éticos e financeiros

Se eventos são grandes representantes do espírito do tempo, como acreditamos, fica mais fácil entender como esse dilema tem se tornado mais frequente nos últimos anos – apesar de não ser inédito.

Estamos em um período culturalmente conturbado e imediatista, onde não apenas temos nossas bandeiras de causas, como as observamos serem levantadas publicamente e diariamente nas redes sociais. Consumimos, frequentamos e apoiamos marcas e pessoas a partir desses princípios.

Eventos não são exceções. 

É o que aconteceu no caso do SXSW, que veio a público comunicar oficialmente o cancelamento do patrocínio de uma instituição tão reconhecida como o Exército dos EUA. 

Para alguns, apenas uma instituição com histórico controverso, por vezes perverso. Para outros, uma instituição que está à frente de inovações que transformaram o mundo. Vale lembrar que a Internet, que nós usamos agora, foi fruto da Arpanet, rede criada em 1960 dentro do Pentágono americano. Do computador ao chocolate M&M, muitas invenções surgiram no exército.

A contradição também faz parte dos festivais de música. Como um evento que vende a ideia de inclusão e diversidade pode ser financiado por um bilionário ligado a empresas que ameaçam grupos minoritários? É uma questão levantada há alguns anos sobre o Coachella, por exemplo.

Mas aí é que tá o x da tensão. 

Porque os eventos não são apenas lugares que representam o espírito do tempo, eles ajudam a moldá-lo. Eventos formam e compartilham consciência, criam pontes que unem pessoas e movimentos culturais. 

Cancelar um evento por causa de uma marca ou uma pessoa pode, muitas vezes, acabar virando um tiro pela culatra. 

Afinal, quem sai perdendo?

Sem patrocínios que viabilizem eventos que promovem debates e mudanças, como eles sobrevivem? 

E se os eventos escolherem ficar com os patrocinadores e sofrer boicote do público, como podem se manter relevantes com sua comunidade?

Planejadores de eventos enfrentam a difícil decisão de aceitar patrocínios que permitam a realização de eventos ou recusar esses patrocínios, que não estão alinhados com suas bandeiras e as de seu público. 

Mas, nesse caso, como viabilizar financeiramente esses eventos sem repassar os custos ao público, especialmente quando muitos não podem pagar altos preços de ingressos?

Protesto em feira literária pelo patrocínio da Baillie Gifford
“Você não queimaria livros. Então não queime o planeta. Tire Baillie Gifford”. Crédito: Reprodução / The Times

A cientista de dados e pesquisadora da Universidade de Oxford Hannah Ritchie trouxe um ponto interessante ao analisar o impacto do boicote dos festivais literários Hay e Edinburgh Book Festival. Ambos suspenderam o patrocínio da empresa de investimentos Baillie Gifford recentemente, devido à pressão de ativistas e palestrantes pelos 2% do portfólio da empresa destinado às empresas de combustível fóssil. 

“Independentemente do que você pensa sobre Baillie Gifford, os festivais do livro são positivos para o progresso nas mudanças climáticas. E se você retirar o seu financiamento, essa força positiva desaparece”.

Essas são questões importantes de mantermos em mente quando pensamos em fazer ou ir (ou não) a um evento. 

O dilema dos patrocínios e de quem está por trás dos eventos que amamos é um assunto complexo e que, em muitos casos, pode oferecer duas respostas completamente contraditórias e, ainda assim, ambas estarem certas dependendo do ponto de vista.