Festivais que apostam em encontros da música brasileira de diferentes gerações não são novidades por aqui, mas um acerto de lineup como o Doce Maravilha é um ponto fora da curva.
Assinada pelo escritor, compositor e Forrest Gump da música brasileira Nelson Motta, a curadoria musical foi a grande estrela do festival carioca que estreou na Marina da Glória nos dias 12 e 13 de agosto de 2023 com sold out para 15 mil pessoas em cada dia.
Palco de encontros, reencontros e homenagens, o evento triunfou ao apresentar um lineup diverso que refletiu-se em um público também multigeracional e com mais de 50% das pessoas vindas de fora do Rio, segundo a produção – porém enfrentou dificuldades de infraestrutura ao se deparar com chuvas e ventos fortes durante o fim de semana.
Um festival com cara de festival
Quem frequenta shows na Marina da Glória sabe que todos correm o risco de ficar com a mesma cara, variando pouco na disposição da estrutura do evento – e quase sempre é isso que acontece. Mas esse não foi o caso do Doce Maravilha. O diferencial deles foi, principalmente, usar uma parte do bosque que não costuma ser ocupada por eventos – sendo possível por terem conseguido uma rara autorização do IPHAN e da própria Marina da Glória para utilizar essa área.
O espaço arborizado foi a casa dos palcos Mangolab, apresentado pela FARM Rio, e Gabarito, uma pista semi-escondida para festas entre a programação. Por ali também ficaram algumas ativações de marcas, além de tendas com mesas e cadeiras e espaços de descanso com redes. O local também recebeu uma praça de alimentação, além da localizada no pavilhão central, com uma oferta variada de opções de comida e bebidas. Faltou aquele cafezinho para um dia mais frio, como o domingo… Festival sem café, pelo menos por aqui no oclb, perde ponto, viu? rs
Já o palco principal, apresentado pela Amstel, ficou localizado na parte mais tradicional de eventos no local – até pela necessidade de receber o público que bateu a lotação máxima do evento. A escolha da Marina da Glória tem suas vantagens, é um espaço amplo que ganha qualquer um pela vista da Baía de Guanabara em dias ensolarados, porém peca na estrutura em dias chuvosos – como aconteceu no segundo dia de festival.
Só misturando para ver o que vai dar
A aposta em uma escalação diversa em gênero musical, regionalidade e faixa etária deu super certo. O piseiro de João Gomes encontrou a MPB de Vanessa da Mata num show espontâneo e divertido, assim como o rap de Emicida deu as mãos ao samba de Maria Rita e o soul de Liniker casou perfeitamente com o pagode de Péricles.
Uma das boas surpresas do evento foi o encontro de Adriana Calcanhotto e Rodrigo Amarante, fazendo um show leve e até mesmo dançante. Vimos também o excelente retorno do projeto GilBaiana, que reúne Gilberto Gil e BaianaSystem numa celebração da música baiana de duas gerações. Nessa mesma proposta, Margareth Menezes, nossa Ministra da Cultura, também fez o público pular ao dividir o palco com Luedji Luna.
E foi tempo de aniversário – Caetano celebrou os 50 anos de “Transa” em um show histórico e Marcelo D2 trouxe os filhos ao palco no dia dos pais para homenagear os 20 anos de “A Procura da Batida Perfeita”. Os dois artistas foram os mais prejudicados pela chuva torrencial do segundo dia de festival, resultando em uma inversão na ordem das apresentações dos artistas, além de ter causado falhas técnicas no show do D2 e um atraso de três horas e mudança de palco no já remarcado de Veloso.
Mesmo com as reclamações – justificáveis, diga-se de passagem – do público quanto a falta de resposta da organização, ambos fizeram shows emocionantes. Ainda pelo momento nostalgia nas homenagens, Rita Lee foi a musa do show especial da Orquestra Imperial e Michael Sullivan chamou o público para ser paquita por uns minutos durante o show dedicado ao seu catálogo para Xuxa e Tim Maia.
Não teve um momento desinteressante nos palcos do Doce Maravilha, o que é um acerto e tanto para uma estreia.
Como foram as experiências das marcas?
Quem chegava ao festival, logo era recebido com welcome drinks da Isla. Foi recorrente ver as taças da marca passeando pelas mãos do público durante o festival. A Isla também apresentou um bar com uma área aconchegante com redes em frente ao palco Mangolab – e acertou ao combinar os seus drinks com esse momento mais relax no festival.
A Amstel, além de ser a patrocinadora principal do evento, proveu um bem fundamental para lidar com o sinal sobrecarregado de um festival esgotado: Wi-Fi! A marca também apresentou um bar cenográfico onde as pessoas poderiam acumular pontos ao se conectar e publicar fotos para ganhar uma dose extra da cerveja.
Ainda nas bebidas alcoólicas, a Absolut apresentou o seu bar cenográfico como um Container e a marca de gin Vitória Régia carregou o lema “viva sua braginlidade” para o seu espaço no festival.
Lagunitas era a única marca de cerveja IPA no festival e apresentou um food truck em local remoto, do lado do palco Gabarito – mas, às 20 horas do primeiro dia, as cervejas já haviam acabado (alô, produção). A Elo garantiu a água em bebedouros no festival, além de patrocinar uma roda de samba do jovem prodígio Miguelzinho na praça de alimentação central do evento. O samba foi, inclusive, um bom refúgio da chuva no domingo.
Fica aqui dúvida que não quer calar: porque não usar a mesma estrutura de som para transmitir, na área coberta, os shows que rolaram nos palcos enquanto o mundo caiu em chuva no domingo? Por que colocar ali um telão com a transmissão sem o som do palco?
Para divulgar a primeira edição do festival Mango, que acontecerá em 2 de setembro, em Uaná Etê, no Rio de Janeiro, a Mangolab ofereceu… mangas. Cortadinhas em potes, elas foram distribuídas ao público que estava no palco Mangolab. Uma ação inusitada justamente pela simplicidade e eficácia.
A marca de roupas FARM Rio, que apresentava este palco, seguiu em seu discurso de diálogo com a natureza carioca ao instalar um super espelho dentre as árvores do local para ser aquele ponto de fotos não tão óbvio.
Tomar um banho de chuva, que acabou com a alegria da galera
“Cariocas não gostam de dias nublados”, como diz Adriana Calcanhotto. O fato é que o bom tempo não esteve do nosso lado. No sábado, as fortes rajadas de vento foram o vilão da vez, chegando a danificar a estrutura de um dos palcos, forçando a paralisação total do festival por alguns minutos, seja da programação e até mesmo dos banheiros.
O que cariocas também sabem é que chuva e Marina da Glória não combinam – a brisa agradável dos dias ensolarados se transforma em ventos gelados e incômodos. A grama ou terra que nos dá um pouco mais de pé no chão acabam virando poças de lama escorregadias. Mas mesmo com esse conhecimento de produções anteriores (e a previsão que indicava chuva no domingo desde o início da semana), faltou preparo da infraestrutura do festival para receber adequadamente as cerca de 15 mil pessoas que se reuniram no domingo (os ingressos foram todos vendidos, mas o festival aparentava estar mais vazio nesse dia que no sábado).
Os banheiros femininos, assim como em outros eventos, foram um problema gigantesco neste festival (literalmente), com longas filas, poucos banheiros, falta de papel e água, entre outros empecilhos que deverão ser repensados para a próxima edição.
O modelo de compra de fichas em papel para o bar também foi um ponto negativo, principalmente em um dia de chuva forte em que esses pedaços de papel se desintegraram no bolso.
A praça de alimentação central também estava sobrecarregada em alguns momentos, com restaurantes chegando a anunciar com megafone que estavam demorando cerca de 40 minutos para preparar os pedidos. Este problema poderia ser solucionado com uma melhor divulgação da segunda praça de alimentação do evento, que estava um pouco escondida na área do bosque. Aliás, esse também foi um ponto a corrigir do festival: faltou cuidado com a sinalização e informação.
A distribuição de mais painéis com o mapa do evento poderia ajudar neste problema, uma vez que vimos com frequência o público perdido sobre onde estavam os diferentes pontos do evento. Mais totens sinalizados, mensagens no telão, enfim…poucos sabiam dizer onde ficavam serviços básicos do evento como os próprios banheiros e a segunda praça de alimentação.
Sim, houve muitos problemas. Alguns, típicos de uma primeira edição. Mas sem dúvida é a experiência do Doce Maravilha foi mesmo negativamente impactada pelo maior vilão dos organizadores de festivais: a força da natureza. É tanto verdade que, quem esteve por lá no sábado, quando não choveu (“só” rolou um ciclone), saiu muito satisfeito com o que viu e ouviu. Já a chuva que caiu no domingo… essa só deu pra encarar mesmo bom humor e memes.
Apesar dos perrengues nada chiques, a estreia do Doce Maravilha foi marcada por boas surpresas musicais, como a coincidência da canção “Emoriô” de João Donato aparecendo, em sequência, nos shows de Emicida com Maria Rita, Margareth Menezes com Luedji Luna e GilBaiana.
Em certos momentos, o que acontecia no palco parecia mágico (quem esquecerá aquele momento com Gil e quinze mil pessoas cantando alto “Is This Love,” de Bob Marley?).
A música foi, sem dúvida, a protagonista. E, com alguns ajustes de infraestrutura e serviço, as próximas edições do Doce Maravilha têm tudo para se tornar uma experiência tão impactante quanto alguns dos momentos que promoveu nos palcos.