O Øya Festival na Noruega, celebrou seus 25 anos dando uma aula de (boa) experiência.
Sem passar perrengue na chegada e na saída, sem grandes filas em banheiros e bares, com menos de 10 minutos de distância entre os palcos, sem transporte público lotado…
Nem mesmo a chuva atrapalhou, ainda que sendo um evento de quatro dias a céu aberto num parque no centro de Oslo. De quarta à sábado, aliás. Aqui, domingos são para descanso.
Estivemos no festival como parte do Øya International, programa que convida profissionais da indústria da música e do entretenimento de todo o mundo para criar pontes com o cenário norueguês.
Mas o mais interessante de participar do programa, foi notar como as partes mais interessantes do festival não eram exclusivas à ele. Pelo contrário.
Para além dos muros do parque, um festival da cidade
Oslo é uma cidade como poucas outras. Metrópole com clima (e extensão) de cidade pequena, mas estrutura e atrações de cidade grande.
Foi um sentimento que atravessou o momento do credenciamento durante o Øya Club Day no BLÅ, um bar na beira do rio Akerselva, até mesmo a saída do festival rumo a suas after parties oficiais, Øyanatt, que contaram, inclusive, com o DJ brasileiro Omoloko no line-up.
Como parte do Øya International, também tivemos a oportunidade de explorar Oslo para além das atrações do festival.
Em um passeio aos Fiordes de Oslo, por exemplo, passamos uma manhã em Bleikøya e pudemos trocar com outros participantes do programa e conhecer mais da cena norueguesa com direito a um show exclusivo da Ella Mai – artista indígena também escalada para o festival.
A sensação era de que as atividades espalhadas pela cidade já dariam um festival por sim só. Porém…
O festival dos sonhos?
Atravessar o portão do Parque Tøyen foi como entrar num mundo de fantasia.
O Øyafestivalen parece concretizar tudo o que supõe-se que festivais de música precisam ser ou ter.
Parece até ilusão, magia, mas não é.
É fruto de boas condições financeiras (olha aí a diferença do apoio governamental, como comentamos), uma cidade com infraestrutura para receber o público, uma equipe capacitada, uma vasta rede de voluntários e uma experiência de 25 anos de produção do evento.
Os bons frutos se devem em partes ao line-up de invejar festivais mundo afora, com grandes nomes e novidades globais, como o nosso Bala Desejo, Andre 3000 (e sua flauta), Arca, PJ Harvey, Air (tocando o Moon Safari) e muitos outros. Line-up, aliás, que conta com equilíbrio de gênero desde 2016.
Mas o trunfo vem, principalmente, pela experiência em si.
Há detalhes que parecem de fato magia, como os banheiros químicos que milagrosamente permaneceram limpos durante os quatro dias de evento.
Porém, em geral, o festival contou com a dose certa do perrengue, aquele tipo que deixa a experiência mais divertida e não a destrói.
Foi o caso dos dois primeiros dias com chuva, por exemplo. O pouco de lama que passou a ocupar o espaço da grama no parque te deixava mais atento, mas não tenso, ao caminhar entre os palcos.
Era um festival para cerca de 20.000 pessoas por dia, mas que assim como a cidade em que acontece, parecia uma festa pros íntimos. Não à toa, teve distribuição gratuita de bolo após o show de aniversário de 25 anos do festival.
Sustentabilidade na prática: o compromisso do Øya Festival
Ao ver o tanto de premiações relacionados à sustentabilidade que acompanham a história do festival, não seria possível observar a experiência do Øya e ignorar seu compromisso com a causa ambiental.
As macro ações estão todas com check.
Resíduos por aqui são levados a sério. Na edição de 2023, por exemplo, 73% deles foram reciclados em novos produtos. Porém, o mais interessante é que os demais foram utilizados para o aquecimento da cidade de Oslo. O mesmo fim que levaram os resíduos humanos dos banheiros químicos!
Com a redução de carnes na praça de alimentação, o evento também conseguiu reduzir as emissões relacionadas à comidas e bebidas em mais de 80% nos últimos cinco anos.
Além disso, todos os alimentos vendidos são orgânicos e de produtores locais.
Mas o curioso foi notar alguns detalhes simples, mas de impacto. Todos os voluntários do evento, por exemplo, usam a mesma camisa da edição anterior com a estampa adicionada de 2024.
O público também faz sua parte. 98% das pessoas vão ao festival de transporte público, a pé ou de bicicleta.
Nos bares, você pagava 25 coroas norueguesas, cerca de 13 reais, por um copo de plástico reutilizável para chamar de seu pelo resto do festival (ou para devolver e receber um vale para pegar outro depois).
Um festival que ganha pela tranquilidade na medida certa
Apesar de ter quatro dias de duração, foi difícil sair do Øyafestivalen 2024 sem o gostinho de quero mais. E enquanto a programação no parque se encerra às 23 horas em ponto, é irresistível não ir a pelo menos uma das afters do Øyanatt.
A sorte é que o festival não te cansa o suficiente para te desmotivar a estender a noite. Em menos de cinco minutos, você saia do metrô e se via dentro do festival sem passar por filas no credenciamento. No retorno, o transporte público é surpreendentemente mais vazio do que na ida.
Também não havia longas filas no bar ou para comprar comidas, além de distâncias curtas: era preciso andar menos que 10 minutos para chegar aos extremos do evento.
Este pode até ser mais um dos milhares de festivais do verão europeu, mas existe uma tranquilidade no evento que vimos surpreender até mesmo os participantes do Øya International que vinham de outras cidades europeias.
Ainda que numa aparente simplicidade, há por trás uma operação complexa e que parece ganhar forma e se tornar possível apenas em uma cidade como Oslo.
É uma realidade distante da brasileira, mas que oferece janelas para inspiração e mostra possibilidades do que festivais de música são hoje e o que podem vir a ser.
Texto por Maria Luísa Rodrigues