Crise nos festivais: e quando o público está no centro da tensão?

Quando o público vira a crise: C6Fest, Sónar e mais um dilema dos festivais de música
Crédito: Danny Howe/Unsplash

 Que há uma crise nos festivais de música você já deve saber. 

Sempre compartilhamos por aqui reportagens sobre as dificuldades de financiamento, aumento da concorrência e até as consequências da crise climática.

Mas dois casos recentes, no C6Fest e em festivais europeus como Sónar e DGTL, evidenciam uma nova fase da crise nos festivais de música: e quando a tensão vem de quem faz tudo acontecer, o público?

Até onde dá pra ceder? 

No último fim de semana estivemos na terceira edição do C6Fest em São Paulo e, sem dúvidas, ele segue sendo um dos nossos festivais favoritos no Brasil.

Parque Ibirapuera, som impecável, curadoria interessante, terminando às 22h, sem perrengue, mas com aquela caminhada suficiente entre os palcos para dar uma reclamadinha no fim da noite e não deixar a experiência morna demais.

Mas dias antes do evento, o clima nas redes sociais do evento tinha outro tom. Bastou a grade de horários ser divulgada para uma crise surgir nos comentários.

A organização ouviu e mudou a grade. De novo. Porque o mesmo aconteceu em 2024 no evento, quando passaram a ter sobreposições dos shows nos dois palcos.

Curiosamente, mesmo após as mudanças, a insatisfação continuou online.

Quem tá nos bastidores sabe que a programação de um festival não é aleatória: envolve contratos, logística, conceito, distribuição de público, acessos, som, tempo de montagem. 

Há método por trás, ainda que não seja visível para quem compra o ingresso.

No fim do dia, fora das telas e diante dos palcos, só ouvimos elogios circulando pelo festival.

Então como equilibrar critérios técnicos com o desejo (legítimo) de agradar quem compra o ingresso? E até onde vale mudar a rota de um projeto a partir da reação digital?

Crise nos festivais europeus: quem paga a conta da coerência?

Enquanto aqui discutimos horários e design de experiência, na Europa o dilema é outro.

Festivais como Sónar, DGTL e Field Day enfrentam pressão da sociedade para romperem o contrato com a Superstruct Entertainment, atual dona desses eventos, devido à sua venda para a gigante financeira KKR. 

O motivo: os investimentos da KKR com empresas ligadas à indústria de defesa e tecnologia israelense, em meio à intensificação da guerra em Gaza.

Os festivais já se manifestaram afirmando autonomia curatorial, como neste post do DGTL.

Mas nem toda crise nos festivais se resolve com um novo post no Instagram. Os artistas e parte do público querem mais: o rompimento completo com a estrutura financeira.

E, enquanto isso não acontece, o boicote está em pauta. No caso do Sónar, mais de 70 artistas chegaram a assinar uma carta aberta com exigências para o festival.

Assim o paradoxo se instala: o festival é um espaço político-cultural relevante, mas como seguir se a sua sobrevivência depende de um capital que representa outros interesses? 

Como ouvir sem perder a direção?

Esses contextos, apesar de diferentes, caem no mesmo lugar. 

Eventos precisam lidar com a realidade de uma produção versus expectativa do público. 

E quando a crise parte de quem se importa, de quem torce para dar certo, mas também de quem aprendeu a cobrar mais, ela é ainda mais delicada.

Pra quem produz, cresce a sensação de estar entre dois fogos: a pressão por excelência e a realidade de prazos, planilhas e contratos assinados há meses. 

Escutar o público é fundamental para qualquer planejamento de experiência, mas ceder a todos os desejos também é um risco. 

Não tem receita de bolo que ensina como equilibrar esses pratos, mas um ponto de partida é considerar a escuta como parte da estratégia do evento, não só da crise. 

E você, o que acha dessa crise nos festivais de música?