A experiência da pista não é mais a mesma.
As baladas sempre se reinventam, mas agora a mudança é intensa: o espaço e o tempo da pista estão sendo reconfigurados.
Depois da pandemia, um “efeito cinderela” parece ter tomado conta dos eventos noturnos.
Desde então, é frequente ouvirmos pessoas querendo chegar em casa mais cedo, cuidando mais da saúde e buscando espaços alternativos para se divertir.
Se de um lado as pistas tradicionais estão se transformando, de outro, elas também estão se expandindo para lugares inusitados – e o streaming tem um papel central nessa nova fase.
Efeito cinderela: o declínio dos clubes e ascensão das baladas diurnas
Essa é uma tendência guiada pelos “amigos do fim” – pessoas que incentivam noites que terminam cedo.
Mudanças comportamentais e o cenário social-econômico de hoje são direcionadores desse movimento.
Os exemplos são vários.
Estamos falando desde o impacto da segurança na forma como lidamos com a noite à influência de uma nova geração de adultos que ganha menos que as anteriores, além do custo de produção e manutenção das casas noturnas como conhecemos.
No Reino Unido, por exemplo, o número de casas noturnas caiu 53% de 2013 a 2024. No ano passado, a estimativa foi de cinco baladas fechando a cada semana.
Ao olhar para o Brasil, mais de 54% dos jovens dizem não frequentar casas noturnas.
É uma conta difícil de fechar: aumento do custo de operação e redução da receita. A logística ficou mais cara, os cachês de artistas, a concorrência do streaming ou do tigrinho…
Isso sem mencionar o impacto da pandemia na cultura noturna, tópico fundamental e que ainda tentamos compreender as consequências.
E se a cultura da pista está em constante adaptação aos anseios de sua época, não seria diferente desta vez.
A nova pista é onde você menos espera… e no streaming
Não é à toa que a maior tendência na cena eletrônica de hoje é o streaming de DJ sets.
Muita coisa mudou desde que o Boiler Room fez sua primeira transmissão em 2010 (aliás, vale ler a história da plataforma aqui). Mesmo após 15 anos, eles seguem expandindo globalmente e produzindo sets que viralizam como o da cantora Charli XCX e do DJ japonês ¥ØU$UK€ ¥UK1MAT$U, publicado neste ano e que já se tornou o vídeo mais visto da história do arquivo do Boiler Room.
Mas há um novo tipo de conteúdo que está ampliando o conceito de pista.
Os DJ sets em lugares inusitados estão por toda a internet.
(Aviso: aqui começa uma sequência de links pra clicar e ir aproveitando os sets durante a leitura)
Nosso algoritmo é repleto de sets em cafés, elevadores, cozinhas, lavanderias, salões de beleza, escritórios, telas verdes que te levam para dentro de videogames clássicos ou festas mais intimistas em apartamentos, terraços e o mais surreal, no espaço.

Eis o outro lado dos DJ sets inusitados: além de cativar o público que está mudando sua relação com a pista, estes são espaços de visibilidade global para os DJs.
Os formatos são múltiplos e podem ser gravados sem a presença do público, somente o DJ e o local curioso escolhido, ou diante de um público presencial com as gravações publicadas.
Como é no Boiler Room, e também na festa-fenômeno disfarçada de clube do livro, Book Club Radio, por exemplo.
Dois irmãos da Geração Z estão à frente desse projeto, e apresentaram um novo conceito de festa ao produzir eventos voltados para o streaming, mas que os participantes seguem um manifesto… o Manifesto do Bibliotecário:
- Venha pela música.
- Esteja aberto a sons e músicas desconhecidas.
- Respeite os outros.
- Olhe para as pessoas, não para o DJ.
- Nada de celulares na pista de dança.
- Vista-se para expressar quem você é.
- Dance como se não houvesse amanhã.
Assim como nas festas offline, o conceito é um elemento central na pista online. Vale assistir a esta entrevista com os fundadores do Book Club Radio pra entender mais sobre a festa e esse movimento.
O mais legal é explorar e ver que há um DJ set para todo mundo. Até para os mais religiosos, como o fenômeno do Padre Guilherme Peixoto.
Marcas também já estão entrando nessa tendência, como a Mizuno fez recentemente em São Paulo, com DJ sets durante o café da manhã em sua Listening Store.
Diante de rotinas intensas, que causam frustrações e adoecem, faz sentido que momentos de entretenimento que dialoguem com nossos espaços comuns ou caseiros ganhem maior projeção. É uma via pra dar novos sentidos a estes lugares.
Já os vídeos gravados diretamente das festas permitem que o espectador sinta o clima de uma balada sem atravessar os perrengues ou arcar com os custos de estar em uma. Cada um passa a poder viver sua festa quando e onde quiser.
A cultura de pista nunca é estática, e a gente segue acompanhando suas reconfigurações.