web3 – até quando acreditar no hype?

Foto: Unsplash Tom Roberts

Se você se interessa por tecnologia, marketing e tendências, provavelmente deve ter sido bombardeado de links e notícias sobre a Web3 nos últimos dias. Por aqui, vimos esse assunto na newsletter da Contagious, na do Youpix e na do Prof. Scott Galloway, tudo nas últimas duas semanas.

Essa nova Web está sendo construída enquanto você lê esse artigo. Portanto, a maior promessa da Web3 é a descentralização. Já que tudo está sendo construido em cima da tecnologia blockchain, não mais os gigantes da tecnologia, bancos ou mesmo governos serão necessários para intermediar relações comerciais, contratos e pagamentos.

Durante a pesquisa para para a produção desse artigo, encontrei frases do tipo:

“Provavelmente, o maior feito da Web3 será o de tirar o poder dos grandes bancos”

“A Web3 promete revolucionar a internet, quando ninguém mais a controla da forma que é hoje”

“Web3 será a das pessoas para as pessoas

Porém, desde os anos 90, quando o Public Enemy lançou um de seus mais famosos hits – “Don’t Believe The Hype” – toda vez que surge uma nova promessa reluzente como essa, vem junto a necessidade de entender o que está por trás dela.

Quem está construindo essa narrativa? Quais são as intenções? E afinal: quem é que ganha com isso?

Esse “sentido aranha” acendeu um primeiro alerta quando Jack Dorsey, o criador do Twitter, publicou esse tweet:

“Você não possui a Web3. Os fundos de investimentos e suas parceiras possuem. Eles não vão deixa-la escapar. É mais uma entidade centralizada, só que com uma nova roupa. Saiba onde você se enfiando…”
Fonte: Twitter

Afinal, a Web3 veio mesmo para descentralizar o poder das grandes empresas de tecnologia e finanças?

Ou seria mais um caso de lobo vestido de ovelha?

WTF is Web3: de onde viemos e para onde vamos

Se você ainda nunca ouviu falar em Web3, desapega desse BBB por um instante e vem aqui ler esse resumo mastigadinho com tudo o que você precisa saber. Prometo que você vai achar interessante.

Era uma vez a Internet, “um sistema global de redes de computadores interligadas que utilizam um conjunto próprio de protocolos com o propósito de servir e conectar pessoas em todo o mundo”.

Ninguém sabe dizer exatamente quando ela foi criada, mas é consenso afirmar que a Internet surgiu em algum momento da década de 1980 (embora desde os anos 1960 cientistas da época já tivessem ela em mente e autores(as) de ficção-científica bem antes disso).

Logo em seguida, em 1989, o físico britânico e cientista da computação Tim Berners-Lee criou um sistema de documentos em hipermídia que são interligados e executados na Internet. Ele chamou esse sistema de World Wide Web. Para os mais íntimos, simplesmente “a” Web.

Foi na década de 1990 que surge a Web 1.0. Ela era formada de sites estáticos e “duros”, e foi ali que empresas como Yahoo, Google, Netscape e AOL surgiram (lembra?). Era a era dos blogs e o mais perto de “social” que a Web 1.0 chegava eram os canais de fórum e o ICQ.

Daí veio o Orkut, Myspace, Facebook, Twitter, Foursquare, Youtube, Instagram, Pinterest, TikTok e toda uma nova geração de aplicativos de redes sociais que revolucionou e ressignificou o que conhecíamos como Internet. A Web 2.0 é marcada pelas muitas formas de criar e compartilhar conteúdos – desde que dentro de plataformas centralizadas. É a era das bigtechs como as conhecemos hoje: Apple, Amazon, Microsoft e, claro, Facebook e Google.

A Web 3.0 (agora chamada de Web3) é a bola da vez. Uma nova Internet que nasce com a promessa de um rearranjo de forças onde economia e sociedade se organizarão através de ativos digitais. Tudo isso, lembre-se, via blockchain. Ou seja, sem a necessidade de intermediação dos grandes bancos, gigantes da tecnologia e demais vilões da sociedade moderna. Criptomoedas, NFTs, tokens digitais entre outras inovações fazem parte dessa era.

Em resumo, é mais ou menos isso:

E isso:

Há quem diga que a Web 1.0 nasceu descentralizada, centralizou-se novamente durante a Web 2.0 e agora ela está sendo descentralizada de novo. Como em toda tecnologia disruptiva, existe um grupo de entusiastas dessa nova Web. Nós fazemos parte desse grupo.

Mas… e sempre tem um “mas”, agora que você já sabe de onde viemos e para onde vamos, chegou a hora de voltar a ler com atenção o tweet do Jack.

“Mais uma entidade centralizada, saiba onde você está se enfiando”

Da mesma forma que “não existe almoço de graça”, aprendemos com a Web 2.0 que “se você não paga pelo produto, você é o produto”.

À essa altura, já devíamos ser um pouco mais céticos com as grandes promessas do mundo da tecnologia.

O professor Scott Galloway escreveu um artigo brilhante para explicar porque a Web3 não é tão descentralizada como parece.

Na verdade o que está acontecendo é uma re-centralização de poder. E mais uma vez, na mãos de poucos.

No gráfico abaixo, ele mostra que apenas 9% dos proprietários de NFTs na blockchain do Ethereum detém 80% dos US$ 41 bilhões de dólares de valor de mercado. O bitcoin é ainda mais crítico: 2% dos donos de bitcoin possuem 95% do valor de mercado da moeda estimado em US$ 800 bilhões.

Seu artigo é extenso e ele continua a desconstruir algumas crenças sobre a descentralização da Web3.

Por exemplo. Nenhuma mulher faz parte da lista da Forbes dos bilionários de criptomoedas. Apenas uma pessoa negra faz parte da lista. Um terço deles estudou em Harvard ou Stanford. Como aponta Galloway, “a narrativa da Web 3 parece com um TEDx voltado a um pequeno grupo de sobreviventes”.

Entre os evangelistas da Web 3 encontram-se os sócios da Andreesen Horowitz, uma empresa de capital de risco que já levantou mais de U$ 2.2 bilhões de dólares em fundos de criptomoedas e empresas do setor.

A OpenSea (o maior marketplace de NFTS) e a Coinbase (uma carteira digital de criptomoedas), duas das maiores empresas que já fazem parte da Web3 são parte do portifólio administrado pela Andreesen Horowitz. Ou seja, seu dono, Mark Horowitz, é apenas um novo Mark. Você ainda vai ouvir falar muito sobre ele.

Se correr o bicho pega se ficar o bicho come

Não adianta escapar, a Web 3 já chegou e ela tende a engolir suas versões anteriores de café da manhã nos próximos anos. 

E, sim, infinitas oportunidades de negócios, relações e formas de consumir experiências e entretenimento virão a reboque. 

A Web3 ainda está em seu início e é melhor ir familiarizando-se com esse novo ecossistema. NFTs, criptos, blockchain e o próprio metaverso são características dessa nova Web.

A moral aqui não é fugir, resistir ou tentar brigar com a Web 3. Como toda tecnologia disruptiva, o que está acontecendo é um rearranjo de forças, agentes e empresas. Se fosse você, procuraria estudar esse assunto enquanto tudo ainda é mato. O próprio Prof. Galloway acredita que é da Web3 que vão surgir os novos negócios trilionários (que seria isso, unicórnios voadores?).

Mas é por isso mesmo, por tudo ser uma grande novidade, que muitas armadilhas também vão aparecer no meio do caminho. Golpes de NFTs já são uma realidade e só no ano passado cresceram em 79% esquemas de fraudes e pirâmides com criptomoedas (olha aí uma área que cada vez mais vai precisar de proteção e novos empregados).

A descentralização acontecerá, mas dificilmente da forma como está sendo vendida pelos entusiastas desse mercado. Vale lembrar que a Web2 também veio com uma promessa bastante parecida. A capa da revista Time de 2006 escolheu VOCÊ como “A Pessoa do Ano” , com a justificativa “Você no controle da Era da Informação”.

Na dúvida, surfe a onda. Apenas saiba que essa praia continua particular.