O que aprender sobre design de experiências com o festival Rock The Mountain

Foto Festival Rock The Mountain
Foto: Rock The Mountain

Depois de adiado algumas vezes – por causa de você-sabe-quem – finalmente o festival de música carioca Rock The Mountain aconteceu na Serra de Itaipava nos últimos dias 16 e 17 de abril reunindo medalhões da MPB (Djavan, Gal Costa, Alceu Valença, Caetano Veloso) ao lado de nomes da nova geração nacional (Marina Sena, Silva, Fran, BaianaSystem etc) e um design de experiências impressionante!

Estivemos por lá e ficamos impressionados com a produção. Em especial, como seus organizadores planejaram essa experiência.

No embalo da formação øclb academy – experience design, que começa na próxima segunda-feira (25/04), resolvemos transformar o review desse festival em um estudo de caso sobre design de experiências

Se você trabalha com criação de experiências e organização de eventos, independente do tipo, segue o fio para inspirar suas próximas produções. E se quiser aprender mais sobre como criar experiências memoráveis, inscreva-se agora no øclb academy.

#FicaaDica: é a única edição do ano ????

Conceito é tudo: cenografia e direção de arte são partes essenciais da jornada

Algo ainda raro de ver no Brasil são eventos cuja campanha de comunicação esteja alinhada com a cenografia da experiência ao vivo, como se marketing e produção fossem duas ilhas distantes. Felizmente, não foi o caso do Rock The Mountain

As cores quentes e estética pop da direção de arte do Rock The Mountain saiu do Instagram e foi materializada ao longo de todo o evento – seja em sua cenografia, sinalização, copos recicláveis e loja de merchandising.

A unidade de comunicação entre campanha e produção gera identificação. A familiaridade da identificação consistente constrói marca. E a jornada de experiências das pessoas se torna mais fluida e agradável dessa forma.

Tanto que a loja de merchandising do evento foi um dos principais destaques desta edição. O tempo todo esteve com filas (e era cada produto mais lindo que o outro). <3

Mas em uma experiência memorável, são mesmo os detalhes que fazem a diferença.

Um festival que cobre os seus postes de tricô colorido (@crochemigas) e pendura cestos de plantas em suas laterais mostra um cuidado que você sente ao longo de toda a produção (“se eles pensaram até nisso… o que esperar das demais experiências?”).

Coletivo @crocheamigas (envolver a comunidade local faz parte da experiência)
Foto: Reprodução / Rock The Mountain

A escolha do local é tão importante quanto seu lineup (se não mais)

O Parque de Exposição de Itaipava é um espaço no centro da cidade com natureza abundante por todos os lados. Além de ser de fácil acesso, é de uma beleza exuberante. 

Festivais como o Meca Inhotim e o Burning Man destacam-se não pelo seu lineup, mas por acontecerem em lugares surreais. Outros como o Rock in Rio e Tomorrowland entregam uma experiência incomparável porque foram construídos em lugares planejados para receber eventos desse porte.

Quando tenta-se encaixar um festival em um lugar que não foi projetado para receber um evento de grande porte e dessa natureza, a sensação que fica é como a daqueles brinquedos em que se tenta encaixar formas geométricas como um triângulo em um círculo. Pode até dar certo, mas fica a sensação de que alguma coisa não está encaixando.

Para criadores de experiências, a escolha do lugar é crucial. Muitas vezes, ela define o próprio conceito do festival. O próprio nome “Rock The Mountain” é um exemplo.

Nem toda pista tem que estar o tempo toda bombada

Quantas vezes escutei de organizadores de eventos: “não invisto mais nessa pista porque ela não enche.”

Isso é uma visão míope e mesquinha, centrada em si e não na experiência do público. 

Um dos momentos mais bonitos do Rock The Mountain foi ver a galera dançando forró no coreto do festival. Um palco super pequeno, que tinha um grupinho por perto.

Além do coreto, haviam 3 palcos (grandes) e 3 tendas, sendo uma delas dedicada à sons chill out. A última vez que vimos uma tenda chill out no Brasil foi nas raves que frequentamos no início da década de 00. Essa pista era assinada por projeções lindíssimas que convidavam as pessoas a relaxarem e apreciarem a vista. Lugares de descanso são fundamentais para a experiência de um evento de longa duração. Mais um acerto da produção.

Além disso, cada pista tinha seu nome e identidade. O palco principal era decorado como uma cerca viva, que em contraste com a floresta ao fundo, dava uma sensação hipnótica de soma ao invés de contraste (uma bem-vinda “realidade aumentada” analógica). 

E ainda havia pistas com lonas de circo, lasers e cores distintas como a Fervo (vermelha) e a Magic Disco (azul). E muitos pontos de descanso com redes, sombra e grama para esticar a canga e as pernas.

Roda Gigante e pista Fervo by Amstel

O festival estava cheio e com ingressos esgotados. Estima-se que 20 mil pessoas compareceram em cada dia. Ainda assim, era possível dançar com os braços abertos e circular à vontade. 

Para criadores de experiências, é fundamental considerar fluxos de pessoas entre uma atração e outra. Ter espaços menores, mesmo que não cheios, ajuda na circulação e também permite às pessoas explorar lugares, construindo suas próprias jornadas.

O festival Sziget, em Budapeste, oferece aos seus participantes um passaporte. Para obter os selos, é preciso descobrir onde estão os pontos estratégicos escolhidos pela produção. Uma divertida forma de gamificação que estimula a circulação e senso de descoberta.  

Um festival 100% vegetariano 

Esse aspecto da experiência foi um dos que mais nos surpreendeu – ao mesmo tempo em que causou estranhamento em algumas pessoas com quem conversamos.

Apesar de não sermos vegetarianos, esse é um belo exemplo que os pensadores clássicos de marketing Al Ries e Jack Trout chamaram de “posicionamento”. Ao se posicionar nessa causa, o festival mostra personalidade e autenticidade. 

Além disso, passam uma mensagem muito importante para os dias de hoje, em especial de drásticas mudanças climáticas. 

Existem vários motivos para que todos os festivais de música possam seguir esse exemplo, mas vamos nos limitar a dois deles:

Responsabilidade social e impacto positivo para a sociedade

No futuro, os festivais serão cada vez mais tratados como vilões do meio ambiente. São eventos que demandam um consumo elevado de energia, geram demasiado lixo, consumo excessivo de álcool, poluição sonora etc. Ao se posicionar dessa forma, esses eventos dão uma lição sobre assunto.

Aquecimento global precisa ser pauta e entrar nas experiências dos festivais (na prática)

Alimentos à base de carne são um dos elementos que têm grande influência no tamanho da pegada de carbono de um festival. A emissão de carbono da indústria da carne é responsável por quase 18% do total de emissões de carbono em todo o mundo, um impacto maior em nosso ecossistema do que toda a indústria automobilística e de transporte do planeta. Ao retirar a carne, o festival está não apenas diminuindo sua pegada de carbono como também conscientizando sobre essas alternativas e informando as pessoas sobre os efeitos drásticos que nosso consumo diário de carne tem em nosso meio ambiente.

Para você ter uma ideia da mudança: comendo sem carne por 2 dias, os visitantes do Rock the Mountain (40.000 pessoas) podem economizar até 53.000 kg/CO2 (não-bio), 14 milhões de litros /água e 21.000 kg/forragem. Isso equivale a quase 350 voos de ida e volta de Amsterdã-Paris. E olha que isso nem inclui a equipe e os artistas…

Em 2016, o festival holandês de música eletrônica DGTL se tornou 100% vegetariano. Os números citados no parágrafo anterior são deles, que fazem o seu festival para o mesmo número de pessoas do Rock The Mountain. 

E olha que coisa! As pessoas não deixaram de consumir na praça de alimentação por isso, pelo contrário. E ninguém morre de fome por deixar de comer carne algumas horas, não é mesmo? 

Esperamos que outros festivais sigam esse exemplo.

Imagine se um festival como o Rock in Rio decide eliminar a proteína animal de sua praça de alimentação? Faça as contas: são 100 mil pessoas por dia!

Para criadores de experiências, a dica aqui é clara: tenha um posicionamento. Distingue-se da concorrência expressando a sua autenticidade. E se ela for pra fazer o bem, especialmente em questões climáticas, ignore solenemente os haters. Olhe pra cima!

@Naveia, um propósito que criou uma marca (curtido e compartilhado!)

Experiências de marcas pertinentes e coerentes com a proposta do evento

Assim que você entrava no Rock The Mountain, dava de cara com um gigantesco balão da Ballantine ‘s que levava um grupo de pessoas ao céu para uma visão panorâmica do festival.

Stay True e olhe pra cima!

Pense nisso: a diferença entre uma ativação de marca e uma experiência de marca é que enquanto a primeira entrega um serviço, a outra entrega uma memória. 

Não vimos uma ação de estande fechado com uma fila quilométrica para ganhar um brinde de gosto duvidoso. Vimos, sim, experiências pertinentes com a proposta do evento e que entregavam um “fator wow!”

Amstel brilhou assinando a pista Fervo e a tirolesa em frente ao palco principal (sabe memórias?). 

A Redley mostrou porque é uma das marcas mais cool e queridas dos cariocas ao trazer o conceito de urban art para totens pintados por artistas visuais e uma loja de produtos com a cara do festival (que serviu como ponto de descanso e de encontro também). 

E ainda tinha a Naveia, uma marca carioca de leite de amêndoas (vegetariana) que servia opções de drinks com café e versões clássicas de cafés especiais como latte e cold brew. Um festival que serve um bom café ganha vale nosso respeito e admiração. O Naveia foi nossa descoberta favorita do festival. Que experiência! ☕️

Nem tudo foram flores… Pontos de atenção

O mais crítico foi a iluminação. De dia, o festival era puro brilho. À noite, muitos lugares ficaram um breu. Não se podia olhar para onde caminhava e a chuva dos dias anteriores criou poças de lama pelo lugar. Isso faz parte da experiência de qualquer festival, mas o risco de alguém escorregar e se machucar (no mínimo, estragar o look) poderia ser minimizado.

A pista Magic Disco foi prejudicada. Estava muito próxima a um dos banheiros e o cheiro no segundo dia do festival atrapalhou a experiência. Não foi convidativo ficar muito tempo ali. 

Banheiros químicos são práticos, mas no segundo dia do evento estavam bastante sujos. 

A falta de sinal de celular durante o evento é esperado em um evento na serra. Mas pode ser uma oportunidade para negociar com marcas patrocinadoras nos próximos anos também. 

O mesmo vale para uma parceria com Uber, 99 Taxi ou Taxi Rio. Apesar do fácil acesso, motoristas de uber estavam cobrando até R$ 50,00 reais por uma corrida que no aplicativo valia R$ 10,00. Faz parte da jornada de experiências considerar o pós-evento (em design de experiências, a última impressão é também uma das que ficam).

Por sorte (e muita sorte!), os dois dias de festival foram de sol. Mas só de pensar naquele lugar com uma chuva já dá calafrios (literalmente). Então, estudar como proteger o lugar do frio e da chuva para as próximas edições é uma preocupação que vale sempre ser duplamente reforçada.

Conversamos com algumas pessoas que ficaram confusas ou irritadas com a operação dos bares. Para comprar uma bebida, você deveria escolhe-la antes e fazer as contas do que comprar exatamente. Hoje, tecnologias como cartões e pulseiras cashless permitem um melhor controle da operação, além da comodidade de você “carregar” o quanto quiser de dinheiro. O que sobrar, você pede o reembolso depois. O modelo cashless é um investimento na experiência das pessoas, que também é um passo importante para a inteligência de dados da organização do festival.

Falando em bares, por fim, uma sugestão… um festival na montanha que chega a fazer 10 graus pela noite merece uma (ou mais) tendas de vinho, não é mesmo? Não fazia muito sentido carregar copos com drinks gelados (e olha aí mais uma oportunidade comercial de patrocínio ????)

Pra fechar a análise…

Como saldo final, o Rock The Mountain entregou uma experiência incrível. Muito além dos shows (sempre subjetivos), a produção caprichou nos detalhes, na cenografia e na originalidade de suas escolhas. 

Vida longa ao Rock The Mountain! Em novembro tem mais uma edição e a gente já está fazendo planos para voltar.


Ps: ok, ok… último merchan (rs). Aprenda a criar experiências incríveis você também. Inscreva-se já no øclb academy – experience design, a formação oficial øclb para criadores de experiências. A formação online se encerra quarta-feira, dia 20/04, mas a Masterclass continua aberta para inscrições até o fim de maio.